22/10/2004

Quando eu era criança tinha uma fé infinita nos adultos. Até sentia as oscilações, as turbulências, mas nunca acreditei realmente que pudesse correr algum risco mais sério estando com eles.
Talvez, e até com certeza, tenha sido muito afortunada e protegida por minha inocência, mas minha infância correu tranqüila e pude chegar até aqui.
Que vergonha da escola russa de Beslan. Vergonha das crianças.
Eu, que já sou adulta há algum tempo, assisti horrorizada ao espetáculo de incompetência da dita maioridade. Crianças grandes com armas de verdade matando crianças pequenas.
Acho que não se faz necessário o detalhamento da tragédia, uma vez que nada pode ser mais eloqüente que os fatos e seus tenebrosos números. Mais de 150 mortos e 650 feridos. Em sua maioria, crianças.
Então, imaginemos: o que se passou na cabeça daquelas crianças quando perceberam que o horror dos pesadelos pode ser real? As crianças que sobreviveram, como passarão a encarar o mundo? Que vergonha, meu Deus, que vergonha.
Nas imagens e fotos vi centenas de mulheres, enlouquecidas de dor. Achei que era provocação. Tenho certeza de que a dor é universal, e nunca duvidaria de uma só lágrima vertida por um homem - sei que são muitas e sinceras - mas a coisa me pareceu emblemática demais para que eu não tomasse como uma provocação ao adormecido poder feminino.
Foi uma tragédia para a parte mãe da Terra. Deu-me a impressão de que a qualquer momento deveria chegar uma espécie de super heroína que nem existe (como se os super-heróis existissem) com um avental sujo de ovo e o chinelo na mão, fazendo todo mundo calar a boca, defendendo os menorzinhos e, sob um sonoro “ai! ai! ai!”, obrigando as facções envolvidas a darem as mãos e negociarem polidamente.
Uma super Mãe!
O Ziraldo já inventou uma, e ela bem que podia dar as caras de novo por aí.
Mas havia mulheres entre os seqüestradores. Dizem que eram mães também, e que após terem perdido seus próprios filhos e maridos durante a invasão da Chechênia, orientam-se agora apenas pelo desejo mais cego de vingança. Não há de ser fácil perdoar a morte de um filho.

Enquanto isso, ainda no hemisfério norte do globo, há pessoas preocupadas em salvaguardar a inocência de suas crianças a qualquer custo. Na Suécia, com a aprovação de 80% da população, foi imposta a proibição da produção e veiculação de qualquer tipo de publicidade dirigido ao público de menores de doze anos. Não haverá mais propagandas na tv, nem nas revistas ou nos outdoors anunciando produtos para crianças. Também estão proibidas as participações das crianças nos comerciais para adultos, e a veiculação de comerciais adultos próximos aos horários ditos infantis das programações de tv.
A alegação é a de que a criança ainda não estaria apta a discernir o conteúdo de um programa comum do conteúdo de um comercial. Ainda não estaria preparada para se proteger do ataque deliberado aos seus sentidos, para fazê-los consumir.
Quanta delicadeza. Imaginem se essa semente de lucidez se espalha pelo mundo, e chega até aqui... Quantas fortunas ruiriam. Enfim, quem sabe um dia.
Estas têm sido minhas reflexões para escolher uma nova escola para meu filho. Seu período de pré-escola acabou, e, entre frases do tipo, “agora ele vai ter que enfrentar a realidade” vou passeando entre propostas, críticas e mensalidades. Todas altíssimas por sinal, ao contrario da Suécia, onde provavelmente todas as escolas são públicas.
Em uma escola, a proposta é construtivista demais, cada aluno com seu ritmo... A outra é mais enérgica, mais militar, e dizem que tem até padre. A outra não, é bem mais normal... Normal pra quem? Seja como for, está cercada de transito por todos os lados o que encerra a questão.

Que tipo de crianças estaremos criando aqui no nosso doce país? São suecas que percorrem corredores cheios de crianças que nunca saem da linha de tiro. São pequenos seres que, antes de completar sete anos sabem mais jingles que canções de ninar.
São crianças criadas por nós.
Alguém aí tem certeza do que se deve fazer com elas?
Artigo escrito por Mariza Orth, na AOL


Ivo, pensante

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